A sala do Tribunal da Coroa de Leicester ficou em silêncio quando Julia Wandelt, de 24 anos, começou a chorar diante do júri. A jovem polonesa, que ganhou fama mundial em 2023 ao afirmar ser Madeleine McCann, enfrenta agora acusações formais de perseguição e assédio contra a família McCann. O julgamento, que se estenderá por várias semanas, reacende um dos mistérios mais acompanhados do mundo: o desaparecimento da menina britânica em 2007, no Algarve, Portugal.
De acordo com o Ministério Público britânico, Julia teria iniciado uma série de ações obsessivas entre junho de 2022 e fevereiro de 2025. Durante esse período, ela teria feito dezenas de ligações, enviado mensagens e e-mails insistentes, além de ter viajado até o endereço da família McCann em Rothley, Leicestershire. A promotoria afirma que a jovem chegou a bater à porta da casa, deixando uma carta assinada “Com amor, Madeleine”. Segundo os investigadores, em outro momento ela também teria deixado bilhetes e tentado entregar objetos pessoais, na tentativa de ser reconhecida como filha do casal.

A acusação descreveu que, em um único dia, Julia teria feito mais de 60 ligações para Kate McCann, mãe de Madeleine. Nas mensagens de voz, a jovem pedia que fosse “ouvida” e dizia possuir lembranças da infância que coincidiram com passagens do desaparecimento da menina. O conteúdo foi apresentado em gravações ao júri, acompanhado de capturas de tela de e-mails e mensagens trocadas em redes sociais. Em alguns trechos, Julia insistia em um reencontro e chegou a pedir uma amostra de DNA diretamente à família.
A investigação revelou ainda que Julia não agia sozinha. Uma mulher identificada como Karen Spragg, de 61 anos, natural de Cardiff, teria se tornado sua aliada e, juntas, as duas teriam trocado ideias sobre como conseguir o suposto material genético. Conversas interceptadas mostram que elas chegaram a discutir a possibilidade de recolher sacos de lixo da casa dos McCann para tentar obter DNA de forma ilegal. Spragg também enfrenta o tribunal ao lado de Julia, ambas negando as acusações de perseguição e assédio.
Durante a audiência, o promotor Michael Duck KC apresentou os resultados de exames de DNA realizados em 2023, que comprovaram não haver qualquer relação genética entre Julia Wandelt e os McCann. O promotor frisou que Julia nasceu quase dois anos antes de Madeleine, o que biologicamente torna impossível qualquer ligação. Ao ouvir isso, Julia se emocionou e chorou intensamente no banco dos réus. Ela afirmou que acredita sinceramente ser Madeleine e que tem fragmentos de memória relacionados a sequestro e abuso, embora não tenha apresentado provas concretas dessas lembranças.
A defesa tenta sustentar que Julia sofre de transtornos psicológicos e que acreditava estar em busca da verdade sobre sua identidade. Segundo seu advogado, ela não teve a intenção de causar sofrimento à família, mas apenas buscava reconhecimento e apoio para esclarecer dúvidas sobre seu passado. O Ministério Público, no entanto, considera o caso grave, pois as atitudes da jovem e de sua cúmplice teriam provocado medo real e perturbação emocional à família McCann, que já vive há quase duas décadas em meio à dor do desaparecimento da filha.
O tribunal também ouviu relatos da própria família McCann. Kate McCann, segundo a promotoria, chegou a dizer às rés que parassem de tentar contato e que estavam causando sofrimento e angústia. Mesmo assim, as mensagens continuaram. Em um dos episódios descritos, Julia teria enviado à irmã mais nova de Madeleine uma foto manipulada por inteligência artificial, tentando mostrar semelhanças físicas. Essa atitude foi considerada especialmente cruel e invasiva.
A cobertura midiática do julgamento é intensa, e o caso reacendeu discussões sobre os limites da exposição digital e o impacto psicológico de teorias conspiratórias. Desde o início da história, Julia construiu um público nas redes sociais, chegando a conceder entrevistas internacionais e alegando ser vítima de tráfico infantil. A narrativa atraiu milhares de seguidores, mas também gerou revolta, especialmente após os testes genéticos descartarem qualquer ligação com os McCann.
As autoridades afirmam que Julia e Karen Spragg foram responsáveis por “um padrão de assédio sustentado, planejado e emocionalmente destrutivo”. O julgamento deve continuar nas próximas semanas, com depoimentos de especialistas forenses, análise de mensagens e testemunhos adicionais da família McCann. Caso sejam condenadas, as duas podem enfrentar penas severas, incluindo prisão.
Enquanto o tribunal busca respostas, o caso de Julia Wandelt expõe como a internet pode amplificar tragédias humanas e transformar a dor alheia em palco de delírios, manipulações e falsas esperanças. Para os McCann, o desaparecimento de Madeleine continua sem solução, e o processo atual é mais um capítulo doloroso em uma história que jamais saiu do foco público.
(regisandradetech)
