Black Mirror: Pessoas comuns?

By | 03/04/2025

Esta semana, aterramos num território já conhecido, mas sempre desconcertante: o universo de Black Mirror. A sétima temporada chegou à Netflix e, como seria de esperar, o primeiro episódio, “Common People”, deixa-nos surpreendidos, angustiados e devastados.

Realizado por Ally Pankiw, este episódio transporta-nos para a vida de Amanda e Mike, um casal apaixonado que tenta construir um futuro lado a lado. Contudo, um diagnóstico devastador para Amanda fá-los enfrentar um destino trágico (e quase certo): a morte de Amanda. Uma empresa recém-criada, a Rivermind Technologies, surge como uma tábua de salvação, oferecendo a remoção do tumor cerebral de Amanda e a sua substituição por tecido sintético, que passa a ser alimentado pelos seus servidores. A cirurgia é gratuita, mas a contrapartida é uma assinatura mensal para que Amanda possa ter uma vida “comum”.

Inicialmente, a tecnologia parece um milagre, uma luz ao fundo do túnel. Contudo, a promessa inicial começa a desmoronar. O casal rapidamente descobre as limitações do seu plano “Common”, e novas funcionalidades essenciais passam a ser adquiridas apenas através da subscrição do plano “Plus”, bem mais caro.

É aqui que a narrativa nos faz colocar uma questão central: quem tem acesso a um futuro de oportunidades? A necessidade de garantir a qualidade de vida de Amanda leva Mike a percorrer caminhos desesperados, explorando uma plataforma de livestreaming onde executa tarefas humilhantes em troca de dinheiro. A sua dignidade é posta à prova para sustentar a tecnologia que mantém a sua mulher viva.

Embora ficcional, este cenário demonstra as desigualdades que presenciamos atualmente. Com o seu potencial incrível para curar e melhorar vidas, a tecnologia pode também criar novas formas de estratificação social, onde o acesso a cuidados de saúde de qualidade ou a uma vida plena se tornam um privilégio económico.

Um dos aspetos mais perturbadores do episódio é a forma como a tecnologia se insinua na própria essência de Amanda, com a colocação de anúncios involuntários no seu discurso, que comprometem o seu emprego e estabilidade financeira.

Contudo, “Common People” não nos deixa apenas com um nó na garganta. Apesar do desespero e sofrimento do casal, também vemos, neste episódio, a profundidade do amor e do sacrifício de Mike. Por mais dolorosa que seja, a sua luta revela a capacidade humana de amar e proteger, mesmo quando confrontada com um sistema que parece favorecer os mais ricos e deixar os outros à mercê de serviços básicos degradados.

“Common People” não pretende fazer uma previsão apocalíptica do futuro, mas ser um alerta. Convida-nos a refletir sobre como se estamos a construir ferramentas que beneficiam todos ou, pelo contrário, a criar sistemas que ampliam as desigualdades.

Fiel à sua reputação, Black Mirror confronta-nos, mais uma vez, com o outro lado da inovação, servindo como um espelho das nossas próprias ansiedades e esperanças em relação ao futuro.

(ST)