Como já devem ter notado, sou apologista dos padrões abertos e do direito a reparar: acredito no papel vital que têm para a sustentabilidade, que é particularmente relevante no mercado da electrónica de consumo. Por isso, vejo sempre com bons olhos os recentes esforços da União Europeia e, agora, dos EUA para impor leis que vão ao encontro deste objectivo. Mas acho caricato quando alguns fabricantes reinterpretam estas imposições legais como suas próprias inovações e argumentos de venda. Não existe mal algum em afirmar que se está a cumprir a lei, mas é interessante observar como as empresas se adaptam às mudanças legais e aproveitam as oportunidades para as comunicarem como parte dos seus valores e inovações tecnológicas.
Depois do RGPD e da adopção da porta universal de carregamento para pequenos dispositivos electrónicos, os fabricantes têm agora um novo desafio pela frente: o direito à reparação, com a nova lei californiana a exigir a disponibilização de documentos, ferramentas e peças de substituição durante sete anos, após a data de produção de todos os dispositivos com preço acima dos cem dólares. Isto é algo que melhora, significativamente, a competitividade das pequenas lojas de reparações e, por consequência, estimula a baixa dos custos de reparação para os clientes finais que não se sintam capazes de fazerem as reparações. Contudo, para os fabricantes, vai representar também um desafio no que diz respeito à logística, ao aprovisionamento de peças de substituição e relacionamento com os centros de reparação oficias. Provavelmente, esta realidade vai-se reflectir no incremento do preço inicial de aquisição, mas também em preços mais baixos e maior viabilidade para as reparações fora de garantia; além disso, pode dar origem ao aparecimento de planos de garantia alargados oficiais, que irá promover a utilização dos equipamentos, durante mais tempo.
Por isso, vou permanecer atento para perceber de que forma as marcas vão transformar esta nova imposição legal num conjunto de “virtudes espontâneas” dos seus novos produtos e, também, de que forma isto irá afectar os círculos de introdução de novos produtos, o reaproveitamento de peças entre diferentes gerações de lançamentos e todo um novo plano de negócio, no que diz respeito ao pós-venda.
Mas, independentemente, do “embrulho” no qual nos é entregue esta implementação da lei, o mais relevante é que este é mais um passo na direcção correcta em direcção à maior sustentabilidade do mercado global da electrónica de consumo.