A história de Aaron Swartz escreve-se praticamente sem conectores de discurso ou adereços narrativos entre os acontecimentos. A quantidade de feitos que em tão pouco tempo de vida concretizou dão por si um texto rico, extenso e abrangente de uma série de temáticas-chave para a compreensão do tempo e da sociedade em que vivemos actualmente.
Nasceu quatro anos antes surgimento da World Wide Web e a sua vida confunde-se com os primeiros tempos desta tecnologia inovadora e socialmente revolucionária. Filho do meio numa família de nerds (até o seu pai era programador), Aaron Swartz mostrou desde cedo apetência para aprender – aos 3 anos já sabia ler com autonomia – e para os computadores – dizia que programá-los seria como projectar super poderes. Era na sua cave que se perdia por horas agarrado ao computador, com o qual foi desenvolvendo uma relação de proximidade, quase simbiótica, surpreendendo sucessivamente a sua família com os projectos que ia desenvolvendo.
Foi um desses projectos que lhe valeu, durante o ensino básico, o Prémio ArsDigita, colocando-se no trilho do que viria a ser uma vida curta e profícua com um final injusto. O prémio conquistado valeu-lhe a oportunidade de conhecer o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (ou MIT) e alguns dos profissionais envolvidos na criação das bases da internet. A partir daí, nunca mais se dissociou desta rede de criação.
Do RSS ao Reddit
Em 2000, Aaron Swartz juntou-se à lista de e-mail do consórcio 3W, que se dedicava a escrever o código daquilo que hoje conhecemos como RSS. Na altura, com apenas 14 anos e sem que ninguém soubesse a sua real idade, que estava escondida no seu endereço de e-mail, notabilizou-se entre o grupo de programadores, assinando um dos protocolos de base do sistema. Foi só quando, confrontados com a sua personalidade irredutível, o desafariam para um encontro cara-a-cara que os seus colegas ficaram a saber a sua idade.
Os anos seguintes foram de dedicação e programação. Aaron continuou a aprimorar as suas habilidades de código enquanto o experimentava em diversos projectos pessoais. Mais tarde, entrou para a Universidade de Stanford e o seu percurso fê-lo passar por empreendedor dotado ao sucesso. Desenvolveu o Infogami, uma plataforma de criação de websites que mereceu a incubação no Y Combinator. Nesta altura, a start-up de Aaron fundiu-se com outras duas que estavam no Y Combinator e, assim, nasceu o Reddit – Aaron aproveitou para mostrar a público a Web.py, uma biblioteca de código aberto que permite criar aplicações web recorrendo à popular linguagem de programação Python e que serviu para escrever o Reddit. Para Aaron, a Web.py era uma forma de facilitar a programação web, de a tornar mais fácil e, essencialmente, diferente para que cada pessoa pudesse experimentar e optar.
The way I wrote web.py was simple: I imagined how things should work and then I made that happen. Sometimes making things just work takes a lot of code. Sometimes it only takes a little. But either way, that fact is hidden from the user — they just get the ideal API.
Depois deste sucesso no âmbito tecnológico e de se tornar num programador distinto, cada vez mais reconhecido pela comunidade, foi o momento de suceder como empreendedor. O Reddit, start-up que detinha conjuntamente com Steve Huffman e Alexis Ohanian, foi adquirida pelo império editorial Condé Naste e os jovens empreendedores reconduzidos para trabalhar em São Francisco nos escritórios da multinacional. Um momento aparentemente positivo mas incalculvamente difícil para Aaron, que não identificava com a cultura corporativa e as interrupções constantes durante o seu dia de trabalho. No seu blogue, ia deixando extensas publicações que nos davam conta do seu estado de espírito e da visão que alguém extraordinariamente lúcido conseguia ter mesmo num open space caótico.
It wasn’t until I started working in an office that the question begun to make sense. Since I moved to San Francisco I literally haven’t gotten anything done. I haven’t finished a book (I finished three on the plane out here), I haven’t answered many emails (I used to answer hundreds a day), I’ve written only a couple blog posts (I used to do one a day), and I haven’t written a line of code (I used to write whole programs in the evenings). It’s a pretty incredible state of affairs.
Sem se poder demitir, acabou por orquestrar o seu despedimento faltando consecutivamente ao trabalho. Assim em 2006, depois de lucrar milhões com a venda do projecto e chegar ao que muitos podiam ver como o topo da carreira, Aaron foi radical, corajoso e fez uma espécie de reset – a sua dedicação quase obstinada movia-se por um propósito. “Quando tens super-poderes, vais usá-los para fazer dinheiro?” é a frase que resumia a convicção do jovem que, na sua própria concepção, era demasiado bom para a monotonia da vida comercial, tendo o dever (para consigo próprio) de se envolver em projectos mais meritórios.
Do mundo corporativo para o político
Foi assim que virou a sua vida para o mundo da política, começando o capítulo mais interessante e distinto, envolvendo-se socialmente de diversas formas, desde intervenções de palanque até a uma candidatura aos comandos da Wikipédia.
Quando saiu do Reddit fundou o projecto Open Library – um site cujo objectivo era indexar todos os livros da internet e que aqui hoje atrai internautas –, mas não se ficou por aí. Fundou o movimento Watchdog e deu início às contribuições mais audazes.
Em 2006, depois de três anos de constantes contribuições para a Wikipédia, Aaron escreveu uma série de publicações no blogue revelando uma visão diferente sobre as políticas da plataforma relativamente à que Jimmy Wales implementava na altura e lançando as bases para a sua candidatura à liderança da Wikimedia Foundation, a organização sem fins lucrativos que gere a gigante enciclopédia online. A candidatura não foi feliz, mas este era apenas o começo da sua luta, tendo sempre como princípio base o acesso livre e a cooperação constante. Era o poder infinito de cópias introduzido pela internet e pelos computadores que apaixonava Aaron Swartz e o deixava incrédulo perante empresas e artistas que não aceitassem partilhar o seu trabalho – já o tinha mostrado anos antes quando se envolveu na programação das licenças Creative Commons com apenas 15 anos.
Foi depois desta corrida eleitoral que Aaron se envolveu numa das iniciativas mais audazes, ambiciosas e, de certo modo, ilegais, sob o pretexto que guiou durante toda a vida, a lei base do anarquismo de Thoreau, que diz que não é justiça seguir leis injustas. Foi nesse sentido e indiferente à lei a que se sujeitam os homens que Aaron Swartz se envolveu no que viria a ficar conhecido como projecto PACER. Aaron montou e liderou uma pequena equipa amadora para subverter o sistema norte-americano na sua raiz. Contra o facto de os cidadãos terem de pagar para ter acesso a ficheiros públicos ou só poderem aceder-lhes a partir de bibliotecas ou similares, Aaron e companhia criaram um script capaz de descarregar uma grande parte desta base de dados, disponibilizando-a posteriormente em domínio público. Foi este o princípio da sua rota de colisão com as autoridades americanas. O jovem descarregou 2,7 milhões de documentos e, se era difícil, arranjar matéria para fundar uma acusação no facto de tornar a lei acessível aos cidadãos, foi o suficiente para manter o seu nome no radar das autoridades – de onde nunca mais saiu.