O Parlamento português tem em mãos, pela terceira vez, uma proposta de lei que promete gerar debate: a atribuição de poderes à Polícia Judiciária (PJ) para bloquear ou suspender conteúdos digitais considerados propaganda terrorista, sem necessidade de uma autorização judicial prévia. A medida, que já tinha sido chumbada com a dissolução da Assembleia da República, regressa agora com uma nova correlação de forças políticas que aponta para a sua aprovação.
Segundo avança o portal ECO, aa proposta visa dar à PJ a autoridade para decidir autonomamente quais as informações ou plataformas online que devem ser bloqueadas por difundirem extremismo e terrorismo. Esta decisão do órgão de polícia criminal não precisará de passar pelo crivo de um juiz, bastando uma comunicação posterior ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
A transposição de uma norma europeia
Esta controversa alteração legislativa resulta da obrigação de Portugal transpor para a legislação nacional o Regulamento (UE) 2021/784. Esta diretiva europeia, focada no combate à difusão de conteúdos terroristas em linha, exige que cada Estado-membro nomeie uma autoridade competente para ordenar a remoção deste tipo de material, frequentemente utilizado para recrutamento, radicalização e incitamento ao ódio em redes sociais e na ‘dark web’.
A escolha de Portugal recaiu sobre a Polícia Judiciária, uma decisão de âmbito nacional. Se a proposta avançar, os fornecedores de serviços de alojamento virtual, como as plataformas de redes sociais, terão apenas uma hora para remover os conteúdos identificados ou bloquear o seu acesso em toda a União Europeia. Em casos excecionais, este prazo poderá ser estendido para 12 horas.
Numa votação anterior, a proposta contou com o apoio de PSD, CDS-PP e Chega, o que, no atual cenário parlamentar, constitui uma maioria suficiente para garantir a sua aprovação, apesar dos votos contra de PS, Bloco de Esquerda, PCP, Livre e Iniciativa Liberal, e da abstenção do PAN.
Advogados e magistrados alertam para riscos constitucionais
A medida está longe de ser consensual e levanta sérias preocupações junto de entidades ligadas à justiça. A Ordem dos Advogados (OA) manifestou-se de forma veemente contra a proposta, classificando-a como um “flagrante atentado aos direitos, liberdades e garantias”. No seu parecer enviado ao Parlamento, a OA defende que esta competência nunca poderia ser atribuída a um órgão de polícia criminal, que se encontra sob a tutela do Governo.
Para a Ordem dos Advogados, a decisão sobre o que os cidadãos podem ou não ver online, que afeta direitos fundamentais como a liberdade de expressão e de informação, deve ser da exclusiva responsabilidade de um Tribunal ou, em certas circunstâncias, do Ministério Público.
A mesma linha de preocupação é partilhada pelo Conselho Superior da Magistratura. Este órgão alerta que a nomeação de uma força policial, dependente do Governo, para tomar estas decisões pode “gerar questões de (in)constitucionalidade”, defendendo que as mesmas devem ser acauteladas desde já.
(Tecksapo)