No mundo pré-pandémico, o ARN mensageiro era apenas uma espécie de ‘escravo’ do ADN, uma molécula de uma única hélice que servia para executar os comandos codificados na famosa dupla hélice. Só os cientistas que trabalhavam na área estavam convencidos de que esta molécula mais simples e versátil poderia vir a ter um impacto enorme na forma como se previnem e tratam doenças. Uma pandemia depois, milhões de vidas salvas, alguma polémica depois, já todos ouvimos falar do RNAm (na notação em inglês) e muitos de nós até recebemos uma, ou várias, injeções destas moléculas que transportam a informação sobre como o nosso organismo se pode defender do coronavírus causador da Covid. Agora o Comité Nobel vem imprimir o seu indelével selo de qualidade à tecnologia, atribuindo o Prémio Nobel da Medicina e Fisiologia à dupla de cientistas Katalin Karikó – nascida na Hungria, é professora e vice-presidente da farmacêutica BioNTech – e Drew Weissman, americano, professor na Universidade de Medicina de Perelman.
“Salvaram milhões de vidas”, justificou o Comité do Prémio Nobel, no Instituto Karolinska, em Estocolmo. “Através das suas descobertas inovadoras, que alteraram fundamentalmente a nossa compreensão da forma como o ARNm interage com o nosso sistema imunitário, os laureados contribuíram para a taxa sem precedentes de desenvolvimento de vacinas durante uma das maiores ameaças à saúde humana nos tempos modernos”, acrescenta-se.
Investigador e professor no Departamento de Bioengenharia do Instituto Superior Técnico, Miguel Prazeres trabalha todos os dias para melhorar e tornar mais barata a produção de RNAm. Só com métodos eficientes e fiáveis de produção e purificação se consegue que a poderosa técnica seja financeiramente acessível, chegando ao maior número possível de pessoas.
O que torna esta tecnologia tão potente e eficaz?
Na sequência da administração de uma vacina de mRNA, por exemplo para imunização contra uma doença infeciosa, o sistema imunitário gera respostas imunitárias robustas, guardando um nível de memória que lhe permite responder de forma muito eficaz se o indivíduo for infetado numa data posterior. Outras vantagens da tecnologia, que a tornam tão atrativa e que justificam o sucesso tremendo na luta contra a covid 19, incluem a rapidez com que é possível desenvolver uma vacina, a flexibilidade que permite adaptar uma vacina existente a novas variantes e processos de manufatura que são essencialmente os mesmos, isto é, independentes da vacina em questão.
Parece-lhe que o Nobel também terá sido atribuído a estes dois cientistas para reforçar a importância e segurança da vacina?
Certamente que o impacto enorme das vacinas de mRNA no combate à Covid 19 constituiu um argumento de peso na decisão do comité Nobel. Quanto à segurança, todos os dados disponíveis indicam que ficou amplamente demonstrada com a vacinação massiva de milhões de indivíduos. A importância e segurança das vacinas decorre assim dessas evidências e factos e não tanto da atribuição do Nobel em si.
São conhecidas as aplicações da tecnologia de mRNA em oncologia e agora amplamente reconhecidas na prevenção contra vírus. É previsível que venham a existir outras aplicações?
As vacinas profiláticas (i.e. prevenção de doenças infeciosas) e terapêuticas (i.e. tratamento do cancro) são de facto as aplicações mais evidentes. Mas existem outras aplicações potenciais da tecnologia de mRNA em estudo, por exemplo no tratamento de doenças genéticas, em medicina regenerativa ou no tratamento de doenças autoimunes. Aplicações industriais são também possíveis, por exemplo no âmbito da produção de proteínas e enzimas.
(Exameinforamtica)