Hause Plants: “Para podermos ser só músicos, temos de conseguir ser, rapidamente, uma touring band internacional”

By | 22/01/2023

Corria janeiro de 2020, pré-mundo virar-se do avesso, quando Guilherme Machado Correia – que conhecemos como guitarrista de Ditch Days e outrora baixista dos Huggs – decidiu, finalmente, puxar a cavilha às ideias que lhe surgiam para composições a solo e, assim, apresentou-se ao mundo como Hause Plants.Se em janeiro de 2020 Hause Plants era um projeto que era uma espécie de projeto de quarto de Guilherme, atualmente Hause Plants é muito mais do que isso. É uma banda rock completa e funcional, com contribuições de João Simões (aka Simon, dos Grand Sun), Dani Royo (Drunkyard) e JAntónio Nunes da Silva (Huggs, Rei Marte e uma miríade de outros projetos) para criar um universo sónico que vai do rock de garagem nova-iorquino ao shoegaze, que já viveu bastante. Lançaram o EP de estreia, tocaram muito ao vivo, assinaram pela editora de Los Angeles Spirit Goth Records, viveram um período na cidade de Nova Iorque, lançaram um segundo EP, tocaram mais ao vivo.

Agora, os Hause Plants preparam-se para iniciar 2023 com o pé direito, dirigindo-se a Groningen, nos Países Baixos, para participarem no Festival Eurosonic e na gala dos Music Moves Europe Awards (à pala disto, tocaram na cotada rádio KEXP). Antes de viajarem para os Países Baixos, a Shifter sentou-se à conversa com Guilherme, o “maestro” da coisa, num café em Benfica (o Arte, para interessados a tirar notas), para falar sobre a evolução da banda, a experiência em Nova Iorque, internacionalização da música portuguesa e o que se segue no futuro, mais próximo e distante, para a banda lisboeta.

Hause Plants: de projeto de bedroom para full-blown rock band

“Foi bué natural”. É assim que Guilherme Correia descreve o processo que concluiu com a formação do seu projeto a solo, Hause Plants, que se estreou em janeiro de 2020 com o single “City Vocabulary”.

As primeiras ideias para aquilo que seriam os resquícios iniciais de Hause Plants começaram a surgir, conforme o músico, logo a seguir ao disco de estreia de Ditch Days (Liquid Springs, 2016). “Estava cheio de ideias e estava bué inspirado por malta que fazia cenas sozinho.”, conta Guilherme, referindo as explorações de pop sonhadora da neozelandesa Fazerdaze e as gravações caseiras de Clairo, como “pretty girl” como as principais inspirações para as suas primeiras experimentações a solo. “Estava apaixonado por aquilo e pela ética de fazer tudo sozinho.”, revela com um sorriso quase nostálgico na cara, apontando para o estilo e estética que hoje referimos como bedroom pop.

Contudo, só daí a três anos dessas primeiras experimentações – em 2019 – é que Hause Plants começou a ganhar força para sair do casulo escondido no interior de Guilherme Correia. A insegurança de ver o tempo a passar e o começar a questionar o que fazia com a sua vida, de ver o seu 9 to 5 poder tornar-se um possível acessório eterno, levou a Hause Plants – nome conferido por uma pequena alteração ao título de uma canção dos Squid, “Houseplants” – ganhasse forma. “Tinha de ser desta, se não nunca mais.”, enfatiza Guilherme sobre como Hause Plants nasceu, finalmente, como “projeto de quarto”.

Daí aos lançamentos, foi um saltinho. Em janeiro de 2020, dois meses antes do mundo virar-se de pantanas, Hause Plants apresentava-se ao mundo com “City Vocabulary”, uma faixa que ainda serve hoje de cartão de visita essencial ao mundo de Hause Plants. Guitarras cheias de fuzz, camadas e camadas reverb, energia punk muito presente, a influência de bandas como DIIV ou Beach Fossils à cabeça, inscritas num espírito que, à primeira vista, nem parece se enquadrar em muito do panorama musical português. Grita Nova Iorque, Captured Tracks, The Strokes, gigs na 285 Kent, nostalgia Meet Me in the Bathroom.

Volvidos praticamente três anos de “City Vocabulary”, o caminho traçado por Hause Plants é um de crescimento e constante evolução, tanto artisticamente como a nível da identidade do projeto, ancorada por um entendimento por parte do “maestro” de que podia “ir muito mais longe e vai ser muito mais divertido se for acompanhado”. Se os primeiros singles do projeto, que faziam parte de um EP que nunca viu a luz do dia, e o primeiro EP (Film For Color Photos EP, 2021) contaram com todos os instrumentos a serem tocados por Guilherme – apenas a “parte da engenharia”, como a gravação, a mistura e a masterização, ficou a cargo de Miguel Vilhena (aka Niki Moss) –, hoje em dia o projeto já não é só Guilherme nem é só um “projeto de quarto”. Opera como banda – reflete-se bastante as contribuições dos outros elementos no segundo EP de Hause Plants (Sleeping With Weird People EP, 2022), editado pela editora de Los Angeles Spirit Goth Records (uma relação explicitada por Guilherme como uma nascida através da sua atividade de lazer de “enviar cold emails”), – e é também uma equipa, formada através “da amizade”, uma estrutura montada com designers (Luana Lloyd e Vasco Cavalheiro, dos Palmers), alguém responsável pelos videoclipes da banda (Manuel Casanova), agenciamento (a cargo da Pointlist), uma manager nos EUA, que se foi consolidando à medida que cada pessoa encontrou o seu papel no arcaboiço de Hause Plants.

“Aqui, cada pessoa sabe o seu ponto forte e coabitam todos em prol de uma cena maior”, evidencia Guilherme, sublinhando, primeiramente, que sente isso ser “fundamental para crescer”. E em 2022, os Hause Plants cresceram – e não foi por causa só de Sleeping With Weird People EP.

Hause Plants em Nova Iorque: um sonho (e experiência) tornado realidade

2022 viu os Hause Plants mudarem de ares. Destino: South Williamsburg, Nova Iorque. Bagagem: uma mão-cheia de sonhos. Nova Iorque, para Guilherme, era já um sonho antigo, uma paixão cultivada por memórias de familiares que emigraram para New Jersey na década de 70 que, durante a sua infância e pré-adolescência, traziam-lhe memórias e histórias da Big Apple que lhe atiçava a curiosidade. Com a adolescência, outros estímulos nova iorquinos chegaram ao seu alpendre – Friends, How I Met Your Mother, The Strokes e a cena revivalista do rock de garagem do virar do milénio, a sétima arte a representar Manhattan e outros recantos da cidade que nunca dorme.

“Quando, ainda em 2020, vi que tinha um projeto a solo em mãos, achei que era a oportunidade perfeita para eu ir, sozinho, e não só curtir a cena, como utilizá-la para capitalizar o meu projeto.”, conta Guilherme sobre quando as primeiras ideias de levar Hause Plants para Nova Iorque lhe vieram à cabeça.

O convite lançado a Dani Royo para se juntar à banda acabou por lhe baralhar as contas de isto ser, efetivamente, algo a solo em Nova Iorque. Além da amizade e das suas guitarradas, Dani ofereceu a Guilherme um companheiro com o mesmo sonho. Com o passar do tempo, mais pessoas foram-se juntando ao “sonho de criança”. Manuel Cardoso, o humorista, amigo de infância de Guilherme com quem dividiu o sonho desde cedo, juntou-se à festa. JAntónio, beneficiando do trabalho remoto, aceitou o empreendimento. Simon, que acabou por também cair nas graças da ideia depois de uns copos, aceitou também. De repente, no final de verão de 2021, o plano Hause Plants vs. Nova Iorque virava realidade e era colocado em marcha. Foi “a história de Hause Plants, novamente, só que só no tema Nova Iorque.”, refere Guilherme, que acrescenta que o sonho só foi permitido acontecer devido aos preços mais baixos, consequência da pandemia da Covid-19.

Hause Plants em Nova Iorque / 📸 Elena Bulet

Os Hause Plants estiveram em Nova Iorque durante três meses de 2021, entre fevereiro e abril, contando com uma segunda visita em maio para tocar mais uns concertos que, entretanto, tinham ficado agendados (estes últimos com apoio da GDA). Lá, a equipa de Hause Plants vivenciou o que é ser uma banda emergente num espaço ultracompetitivo como o é Nova Iorque, onde as bandas se multiplicam por cada bloco e onde se aspira (e respira) a ser a next big thing. “Eles sentem que querem make it ali, porque se eles make it em Nova Iorque, já está. Não é 100% verdade, mas tem fundo de verdade.”, conta Guilherme sobre o ambiente vivido na cena alternativa nova-iorquina, marcado simultaneamente, por um protecionismo dos locais, e uma certa abertura e solidariedade com a quem ali chega. “Aquilo é um país tão difícil e uma cidade tão fodida que tu só te aguentas lá se alguém te der a mão e te puxar para cima e te ajudar. Acabas por sentir a obrigação de fazer o mesmo com o próximo.”, refere Guilherme.

Numa cidade com o tamanho de Nova Iorque, é natural que as cenas se movam e operem em velocidades totalmente diferentes comparativamente com aquilo que os Hause Plants estavam habituados a viver em Lisboa e Portugal. Por um lado, estavam em Nova Iorque, e havia um sentimento de excitação, talvez até um pouco iludida e jovial, de que estavam no local a “viver a história”, a beber café onde os Yeah Yeah Yeahs beberam, a visualizar onde, outrora, foram os escritórios da Vice, ver o James Murphy, dos LCD Soundystem, a passar na rua (mais do que uma vez), encontrar o baixista de Beach Fossils numa house party aleatória para a qual foram convidados. Por outro, estavam em Nova Iorque e, com isso, estão expostos também àquilo que isso traz de mau e precário – veja-se as reportagens sobre o impacto na saúde mental da indústria musical anglo-saxónica e sobre a falta de sustentabilidade de tentar fazer uma tour funcionar nos Estados Unidos – para uma banda emergente a tentar singrar na cidade: os concertos são sem pagamento, o soundcheck é inexistente, “a backline é podre, porque as próprias salas não têm apoios”, e é “uma grande salganhada” porque “o normal são sete bandas” a tocar na mesma noite no mesmo espaço e não existe espaço nem tempo para que as coisas funcionem de maneira bem oleada.

A dimensão de Nova Iorque e a proliferação de bandas que por ali existem pode não ter comparação com a escala nacional, mas apesar da abundância da “cena”, no que toca a condições para concertos, Guilherme não tem dúvida de que cá – mesmo fora das grandes editoras – há uma maior valorização das bandas. “Em Portugal”, diz Guilherme, “temos oportunidade de fazer uma tour em que tocamos, como quando aconteceu em novembro, no Teatro Aveirense, que é uma sala brutal, cheia de condições, com uma equipa de técnicos e com um cachê fixo. Os gajos lá, até chegarem ao nível de tocarem numa dessas salas, têm de suar muito e de crescer muito, tanto que nós temos mais pedalada porque tocar com boas condições permite-te crescer enquanto banda.”

Se por um lado as bandas de estatura média – pense-se num Luís Severo ou nos Cassete Pirata como referência – têm condições para tocar em Portugal, por outro é a possibilidade de ser a “next big thing” – largar os trabalhos quotidianos e viver da música – que continua a alimentar os sonhos como o de Guilherme de ir para Nova Iorque (ou, mais recentemente, para locais como Windmill) e tentar a sua sorte. Em NYC, as oportunidades para tocar florescessem em cada esquina – “há muito gig, slots enormes, muitas oportunidades”, como explica Guilherme – e existe a possibilidade, a um dado momento, de explodires e virares uma banda aclamada por uma NME, uma Pitchfork, uma Stereogum (e quem não gosta de uma boa aprovação hipsteriana?), e de seres assinada por uma label que te vai colocar o mundo na palma mão. De repente, és *a* cena.

Cá, pelas circunstâncias do país ser mais pequeno, existir menos dinheiro a circular na indústria e de existir menos público (em quantidade e diversidade, como refere Guilherme), é muito complicado ultrapassar um certo teto que existe quando uma banda prossegue a sua atividade, mas nunca consegue quebrar o espaço entre ser mainstream ou estar apenas inserida no nicho mais alternativo. Falando no caso da sua outra banda atual, os Ditch Days, Guilherme fala da evolução da banda durante os seis anos que separaram o disco de estreia da banda, Liquid Springs (2016), de Blossom, lançado em 2022. Quando lançaram Liquid Springs, os Ditch Days deram “um concerto de apresentação no Musicbox. No segundo álbum, fizemos o mesmo, estás a ver?”. “Há um teto, que é o que nos prejudica, e saber que há esse teto, faz com que todas as bandas, por muito boas que sejam, sejam um hobby. Nunca são profissionais.”, conclui Guilherme.

Hause Plants depois de tocarem na The Living Gallery, em Nova Iorque / 📸 Filipa Paixão

O sonho de Nova Iorque de Guilherme, pode-se dizer, foi alcançado. Lá, a banda acabou por fazer ligações e amizades que se acabaram por manifestar na própria evolução de Hause Plants enquanto entidade, e na preparação dos objetivos seguintes, acabou por aprimorar os seus espetáculos ao vivo, combinando a sua energia mais punk com a sensibilidade textural que conseguem revelar quando caminham para os campos da dream pop e do shoegaze. Ficam as memórias, aquelas reveladas e não reveladas, e ficam as ideias que assentaram durante o período da banda na Big Apple, que ajudaram a preparar os próximos passos para Guilherme e companhia.

Hause Plants no Eurosonic e a internacionalização da música alternativa portuguesa

O início de 2023 marca um novo capítulo para Hause Plants. Novos looks, claro, mas também o próximo passo de um plano – conseguir tornar Hause Plants numa “touring band internacional”, como refere Guilherme a dado momento da conversa – que visa tornar a banda numa operação que permita a todos os seus membros viver somente da música.

2023 marca uma nova fase para os Hause Plants / 📸 Luana Lloyd (@lulubss)

Para tal, 2023 arranca com a ida do conjunto para Groningen, nos Países Baixos, onde estarão em dupla missão. Primeiro, são um dos nomeados para a gala dos Music Moves Europe Awards, prémio da Comissão Europeia que já premiaram artistas como Pongo, Dua Lipa, ROSALÍA ou Stromae, e segundo, tocarão um show no festival de showcases Eurosonic Noorderslag, que decorre entre os próximos dia 18 e 21 na cidade neerlandesa, ao lado de outros artistas portugueses como Club Makumba ou Holly.

Partindo da sua participação no Eurosonic, a seguinte transcrição da conversa com Guilherme Machado Correia aborda tópicos como a internacionalização da música alternativa portuguesa, as infraestruturas que já existem (e as que ainda faltam) para que isso seja algo que ocorre daqui para a frente e, com isso em mente, também o futuro da banda.

Daqui a duas semanas, vais estar no festival Eurosonic, em Groningen, nos Países Baixos, onde os Hause Plants vão tocar e estão nomeados para a gala dos Music Moves Europe Awards. De onde surgiu a nomeação?

Não faço ideia, mesmo. Há aqui uma cena importante. Durante a pandemia, fiz uma cena, que era o Flores de Estufa, no Instagram. Era uns lives em que eu entrevistava malta e eu entrevistei o Benjamim. E eu sou bastante interessado em temas como gestão de carreira e progressão de carreira, o que tu fazes no momento versus o impacto disso no futuro. Ele lançou-se em Portugal com aquela tour de 30 cidades, 30 dias, em 2015, do Auto Rádio. Eu disse-lhe que era uma ideia de génio e que teve um impacto gigantesco e que literalmente o lançou por ser tão fora e tão bem pensada. Era a forma certa de fazer as músicas dele, que são incríveis, chegar ao público. E eu perguntei-lhe: “Tu achas que se não tivesses feito isto em 2015, achas que estarias onde estás hoje?”. E ele disse “Acho que não. Mas se tivesse feito só isso, também não estava”. Isso é uma cena que até me causa alguma ansiedade. Tens de pensar na tua carreira e como a geres. E quando digo gestão de carreira, falo da evolução natural do que tu fazes face onde queres chegar. Depois deves trabalhar, se te fizer sentir bem, na direção desse objetivo.

Para podermos ser só músicos e conseguirmos fazer disto a nossa sustentabilidade, acho que nós temos de conseguir ser, rapidamente, uma touring band internacional. Desde que decidimos isso, irracionalmente cedo – depois percebemos o que estava a acontecer e o que é que queríamos -, trabalhamos nesse sentido. Esta cena do Eurosonic é nesse sentido. Estávamos ali em finais de maio, tínhamos acabado de vir da segunda viagem a Nova Iorque e começamos a pensar como podíamos dar top a isto, estás a ver? Construir sobre isto e tornar 2023 ainda mais épico. Falei com a malta de Nova Iorque da Kanine Records, que é quem lançou Chairlift e Grizzly Bear e são eles que organizam o festival onde nós tocamos, o The New Colossus Festival, e eles disseram-me que, como o New Colossus Festival, havia uns cinco festivais na Europa e que tínhamo-nos de mandar a eles. Depois, o Henrique Amaro [radialista da Antena 3] disse-me para tentarmos o Eurosonic por tudo e percebi que, se calhar, este é o caminho para atingir o objetivo. Apostar nestes festivais porque são sustentáveis, na medida em que tens cachê, press, público e estão ao nosso nível, porque há festivais que só dão se tiveres um booking agent. E estes festivais permitem-te outra coisa. Tu fechas o Eurosonic, estás com guita da GDA, na Europa, e podes dar-te ao luxo de fazer uma tour. Já lá estás, já despendes-te tempo e  dinheiro, mais vale aproveitar já que, se calhar, estás com mais possibilidades financeiras porque tiveste um apoio – vai ser o nosso caso – e tens um cachê do Eurosonic. Podes dar-te ao luxo em aceitar gigs, à volta, com condições que se calhar não aceitarias de outra forma. Nós mandamo-nos a tudo o que era festival de showcase e marcamos tour à volta disso. Eu candidatei-me ao Eurosonic por causa disso. Empurrão do Henrique Amaro e depois embrulhado nesta lógica. Do nada, recebo um e-mail da WHY PORTUGAL.

Vou ser sincero: eu nem sabia que isso existia.

É, e é mesmo uma plataforma de exportação. É fundamental. Eu tive no South by Southwest, em Austin, em março, e a BBC, que é a âncora da plataforma de exportação do UK, estava lá em peso, com alto investimento. Alto palco, bué bandas, bué comunicação. Resultado: as bandas inglesas eram, de longe, as melhores, porque tinham condições-

Os Yard Act tocaram lá, não foi?

 Sim. Os gajos chamam-se British Music Embassy, muito associado à BBC. Mas ya, de certeza absoluta que foram quem tirou mais proveito daquele festival, que é só tipo a maior montra do mundo para novas bandas. Haver um trabalho público com uma plataforma organizada nesse sentido é mesmo fundamental. Até os espanhóis estavam lá em peso – também estavam no New Colossus, em Nova Iorque -, com instrumentos fixes, saudáveis, para o tiki-taka musical. Ter esse apoio é fundamental e a WHY PORTUGAL faz esse trabalho. Foram eles que nos disseram que tínhamos sido aceites para o Eurosonic e que estávamos nomeados para estes awards, que pelos visto vieram pelo Eurosonic. Eu não fazia ideia do que era. Tive de ir estudar a cena para perceber realmente para o que é que estava nomeado. E surgiu assim. Foi mandar um tiro no escuro e ver se batia, sempre estruturado num plano maior. Quando bate, é trabalhar ao máximo o fato de ter batido. Marcar uma tour à volta, conseguir falar do assunto, como estamos aqui a fazer.

Como nós fomos nomeados, a WHY PORTUGAL teve um papel, desde cedo, importante nesta relação. Do nada, estamos a trabalhar em conjunto com eles para o Eurosonic e para os prémios. E eles fazem uma cena muito fixe, que descobri na semana passada. Eles contratam uma agência de assessoria de imprensa no estrangeiro para trabalhar as bandas portuguesas que fazem parte deste showcase, que é o que é preciso. Um passo certo na direção obrigatória se o objetivo for colocar Portugal no mapa e tu poderes ter uma banda portuguesa a sonhar tocar num Pitchfork Music Festival Paris porque vai ser considerada porque tem público, projeção e meios para o fazer. Ainda por cima nós em Portugal, nestas questões de assessoria de imprensa, e management, é tudo sozinho, e mal soubemos, foi logo puxar dos contactos, que fazendo um bom trabalho, vão sendo cada vez mais, porque é natural. Tu expões-te a outras pessoas e as outras pessoas expõem-se a ti, e tentar trabalhar ao máximo as oportunidades que chegam, como fez o Benjamim com essa tour.

Acho que posso aproveitar, dado o papel da WHY PORTUGAL, para falar sobre internacionalização da música portuguesa, em particular de música alternativa. Há artistas portugueses com pujança lá fora, caso de fadistas ou de alguns espectro da eletrónica, desde os Buraka [Som Sistema] até à Príncipe ou o Holly, mas no caso do indie português, em que obviamente Hause Planta se enquadra, não há assim muita exposição. O que falta aqui, então?

Eu diria que há mesmo, mas curtia de não nos agarrarmos à ideia que, tirando isso, Portugal exporta bem lá para fora, porque não é verdade. É um bem relativo. Acho que, se tu pensares da perspetiva de um inglês, que já tem todo o indie rock que precisa à porta de casa, é mais interessante para ele ouvir cenas novas, diria. Acho que Buraka resultou porque, além de ser bom para caralho, é fácil de vender. O ângulo de vender aqui é, literalmente: vais partir o melhor chão da tua vida [risos]. E era exótico para eles, acrescentava algo novo. O fado bate lá fora porque é uma cena tuga que eles não têm lá. Se quiseres ouvir fado, há essa percepção: tem de ser português. O Dino [D’Santiago] e o Branko, por exemplo, acho que fazem uma cena muito específica e única, mas também pode ser mais difícil furar porque pode haver menos habituação e abertura para esse tipo de sonoridades. Mas lá está, estes artistas oferecem algo de diferente e acrescenta valor ao que já ouvem.

Eu percebo que Hause Plants – eles lá têm milhares de Hause Plants – portanto, requer da parte deles menos esforço para ter acesso a esta música. Já têm bué oferta disso. Agora, não invalida que nós, Hause Plants – e não estou a dizer que é o caso, é subjetivo –, uma banda indie rock a cantar em inglês com influências claramente anglo-saxónicas, tuga, não seja melhor e mais interessante para o público inglês do que essas mil bandas inglesas que eles têm à porta de casa. Por isso, é preciso acreditar, por um lado, que nós podemos nos incluir no mercado deles e, depois, é garantir que há ferramentas para o efeito. Eu lembro-me que, antes da minha primeira experiência internacional, que foi uma tour europeia com Ditch Days em 2018 – foi grande salganhada -, achava que era totalmente impossível. Agora acho que é 100% possível. Só precisas de, por um lado, estar lá e aparecer. Isso é o ponto fundamental, e por outro, precisas de fazer isso com consistência e acho que é o que falha.

De facto, a WHY PORTUGAL existe e é uma plataforma incrível, é alta ajuda. A Fundação GDA tem um apoio para showcases internacionais que, se fores selecionado, dão-te dinheiro para ires. Não vais ter de pagar do teu [próprio] bolso. Acho que Portugal tem plataformas a fazer alto job nesse aspeto. Só que, depois, nós falhamos redondamente na consistência. Não só por parte dessas plataformas, mas sobretudo o trabalho que vejo a ser desenvolvido por artistas e por managers, falha nesse aspeto. Um exemplo: a Surma. Em 2018, se não me engano, ela foi ao South by Southwest, e ela vai outra vez… Quantos anos depois? Cinco. Quando sais do cantinho aqui da tuga e vais uma vez a um sítio como o South by Southwest, é certo e sabido que, quando voltas, não tens um e-mail a dizer, “Olha, vou ser o teu manager, tenho esta label, tenho este booking agent, vou-te pôr a bombar para sempre”. Isso não existe. Metaforicamente, tu tens ir ao South by Southwest e fazer coisas dessas 40 mil vezes, cada uma um centímetro maior que a outra, para eventualmente, chegares a um ponto-

E a Surma é uma artista incrível.

Sim, claro, e eu digo ela, mas os Vaarwell também, que foram ao South by Southwest. São artistas que, não só trabalham para ter alguma projeção lá fora, mas que acho-

Vaarwell até estão lá fora. Estão em Londres agora.

Mudaram-se para Londres, e a Surma já abriu para James e já foi a um festival de showcases na Islândia, apoiada pela GDA, à base de candidaturas. Ou seja, ela trabalha e trabalha bem. Eu disse a Surma mas há muitas bandas tugas que já gastaram recursos, pessoais sobretudo, tempo, energia, abdicar de outras coisas para ir ao South by Southwest, e não funciona tu ires uma vez e achares que isso serve. Os Ganso, por exemplo. Eles já cá andam há uns 8 anos e só agora estão a esgotar o Capitólio. Se tu quiseres crescer internacionalmente, se em Portugal demoras 10 anos para esgotar um Capitólio, que tem para aí 1000 pessoas, imagina lá fora. Por isso, acho que falta mesmo estes apoios pontuais que, sim, existem se precisares deles, mas acho que faltam mesmo ser convertidos numa estratégia de consistência. É muito giro ir ao Eurosonic, mas se depois não trabalhas a oportunidade, não serve de nada.

Acho que falta, por um lado, essas plataformas como a WHY PORTUGAL  e a GDA terem apoio de management mesmo. Ter apoio que não é só financeiro, mas que também é estrutural Ter alguém com experiência no assunto – até pode ser por consultoria – para conseguires tirar o máximo partido disto. A AMAEI [Associação Profissional de Músicos Artistas e Editoras Independentes] acho que faz um bocado isso. Ajuda-te a entender e a navegar este mundo, mas na GDA e na WHY PORTUGAL, não sei se há – e devia haver – consultoria mesmo de management para fazer planos a longo-prazo, a fazer estratégia, perceber os objetivos das bandas. Eu acho que nós até nos safamos, mas certamente não somos quem tem mais experiência no assunto.

Segue-se Groningen e, pelo que disseste, vem aí o terceiro EP de Hause Plants em 2023. Que há mais no futuro para a banda?

O plano 2023 começa, sem dúvida, no Eurosonic. Depois, por causa do Eurosonic e, marcamos uma tour pela Europa. Mais uma vez, para reforçar, acho que é fundamental – tema comum a esta entrevista -, apoios e estruturas públicas. Há uma plataforma da União Europeia que se chama Liveurope, que é um conglomerado de venues, uma por país – por exemplo, o Musicbox faz parte -, que recebem fundos da União Europeia para serem gastos a contratar bandas de outros países para lá tocarem e são ainda encorajadas a misturar lineups. Nós servimo-nos dessa plataforma para marcar uma tour, seis datas, para além do Eurosonic, na Europa toda. Temos Dortmund, Zagreb, Brno, Praga, Budapeste, Bratislava. O nosso ano vai começar assim.  

 
 
 
 
 
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Depois a ideia é lançar um terceiro EP que gostava de promover mais que os outros dois. Entretanto, também já fomos aceites para outro festival de showcases, em maio, disse-nos a Why Portugal novamente, que está aqui a ser o middle man nisto tudo. Portanto, com isso, vamos tentar marcar outra tour, mas eu quero tentar uma coisa, que nunca fizemos, para mostrar um bocado porque é que eu acho que a consistência cria uma bola de neve que traz os resultados necessários. Nós em Nova Iorque fomos ver o gig de uma banda que eu descobri randomly no Youtube, os Ducks Ltd.. Fomos lá e, no final, fomos à merchtable falar com eles. Demo-nos bem e passamos a noite a beber copos. Eles são uns canadianos da Carpark Records e nós ficamos amigos deles porque eles estavam a dizer que iam fazer uma tour e queriam tocar em Portugal, e eu disse que lhes ia arranjar dois gigs e arranjei-lhes. Porto e Lisboa, tudo porque a Galeria Zé dos Bois e o Ferro Bar foram incríveis e aceitaram o concerto. E eles curtiram tanto que nos convidaram para abrir para eles em Madrid e Barcelona e nós acabamos em cinco dias a fazer uma mini-digressão de quatro datas com eles. Esses concertos, em Espanha, foram promovidos pelo Primavera Sound, o que nos deu logo ali alto connect, que só começou porque nós tivemos a proatividade de marcar gigs para eles cá. E só os conhecemos porque copos, literalmente.

O vocalista dos Ducks é assessor de imprensa de malta big, como os Yard Act e cenas assim, e eu disse-lhe que achava que era um move importante ter assessoria de imprensa no estrangeiro e ele disse que achava que nós já estávamos no ponto certo para ter uma primeira experiência com isso. Gostava, e ainda não está nada fechado, que ele nos fizesse assessoria de imprensa – há uma base de confiança e quero continuar construir essa relação que hoje em dia é uma relação de amizade, – porque acho que podemos crescer por aí. O plano é esse. Gostava de trabalhar este EP na perspetiva de imprensa, construir sobre isso, e continuar a divulgar e a apostar no internacional, e construir sobre o que já foi construído e tentar sempre dar um passinho à frente. No fundo, o trabalho que queremos fazer é isso. Um passo de cada vez, e nunca parar de andar, e andar em conjunto. Acho que é isso que traz resultados. That’s the plan.

(Shifter)