Primeiro, Mark MacGann ajudou a criar um ‘monstro’ – foi, durante vários anos, o rosto da Uber que exercia influência e pressão junto de governos um pouco por todo o mundo para que fossem criado um ambiente legal amigável para a expansão e operação da empresa. “Tiveste um acesso sem precedentes ao poder. A Uber gastava 90 milhões de dólares em lobby, para tentar influenciar a legislação e criar as regras que queríamos: que era poucas ou regras nenhumas”, disse nesta quarta-feira, em conferência de imprensa, na Web Summit. “Quando te tornas tão grande e tão rico, tornaste ingovernável e impossível de regular. É perigoso para a democracia”.
Depois, virou-se contra a antiga empresa, na qual esteve entre 2013 e 2017, tornando-se o denunciante do caso que ficou conhecido como os Uber Files – uma investigação jornalística que comprovou, com acesso a milhares de documentos e conversas da empresa e seus executivos, cedidos por MacGann, as práticas ilegais e eticamente questionáveis que a tecnológica praticou durante anos.
Agora, Mark MacGann diz que está arrependido, que só anda de táxi e que o seu trabalho ainda “só está meio feito”.
“A Uber continua a gastar dezenas de milhares de doláres em lobby. A Uber gastou dezenas de milhares para bloquear as propostas de ter os condutores da Uber como empregados”, acusa o antigo responsável da empresa. Segundo Mark MacGann, “a Uber e outras empresas estão a tentar deitar abaixo” a legislação que na Europa é conhecida como lei das plataformas – e que deverá trazer maiores condições laborais aos trabalhadores de plataformas de mobilidade e entrega de comida em casa.
Como alguém que conheceu bem o modo de funcionamento da Uber pelo menos até 2017, Mark MacGann diz que há um grande mal entendido quando as pessoas usam o argumento de que a Uber queria criar postos de trabalho. “Nunca dissemos que iríamos criar trabalhos, nós não queríamos gastar dinheiro com a proteção social [dos condutores]”, atirou. “Muitas pessoas mal fazem o mínimo para viver. Teria feito as coisas muito diferente se tivesse que as voltar a fazer”, admite.
E garante que a ideia de que os trabalhadores das plataformas digitais são independentes é uma falácia, pois estão à mercê dos algoritmos criados pela empresa. “Eu estava lá quando construímos os algoritmos. Não podes dizer que são [trabalhadores] independentes e depois impor as horas de trabalho, o que vão fazer e a que horas”.
De olho em Portugal
Os documentos revelados pelo denunciante comprovam que, também em Portugal, a Uber usou o confronto entre taxistas e condutores da sua plataforma para promover o serviço junto de novos utilizadores. “Nós liamos o impacto que estava a ter nos táxis em Portugal”, disse o irlandês.
Mas admitiu que, em Portugal, a Uber “não tinha acesso ao mesmo poder que tinha noutros países… não foi tão duro quanto noutros países”, referindo-se ao nível de lobby e confrontos que existiu noutros mercados europeus.
Mark MacGann revelou também que um ano e meio após ter saído da empresa, descobriu que a Uber ainda usava o seu nome e a sua assinatura em documentos oficiais, dizendo-lhe apenas que “foi um erro de computador”. Atualmente diz que já não fala com qualquer um dos antigos executivos da Uber. “Eu fui parte de uma empresa que pensava que estava a fazer a coisa certa, mas a maioria foi errada”.
Questionado se ainda sente remorsos pelo que fez no passado – motivo que, segundo o próprio, o levou a tornar-se num denunciante –, MacGann disse apenas que “é muito difícil” ser denunciante, devido à pouca proteção que existe, e que não o fez apenas pelo sentimento negativo que o consumia. “Se fosse apenas pelo remorso, ia a um padre”.
“Sei que algumas pessoas questionam os meus motivos. Mas é como no futebol, jogas hoje por uma equipa, amanhã jogas por outra. O que importa é o que os factos dizem. E isto é algo que a sociedade precisa de saber”.
(Exameinformatica)