Europa, lua de Júpiter, será visitada por duas sondas

By | 17/10/2022

Uma fotografia da superfície de Europa, uma das luas jovianas. A imagem foi produzida pela sonda Juno durante sua aproximação em 29/09/2022, e então processada e colorizada por um cientista cidadão. Crédito: Nasa/JPL-Caltech/SwRI/MSSS/Thomas Thomopoulos (CC BY 3.0)

A última semana de setembro foi de grande importância para Júpiter. No dia 26, o planeta realizou sua maior aproximação da Terra desde 1963, encantando observadores ao redor do globo. Em seguida, no dia 29, a sonda Juno, da Nasa, voou próxima a Europa, lua congelada do planeta — a maior aproximação entre uma sonda e um satélite natural desde 2000.

A aproximação produziu imagens com um impressionante nível de detalhamento da superfície da quarta maior lua de Júpiter. Além das imagens, Juno também coletou um conjunto de dados que cientistas estudarão pelos próximos meses, procurando por sinais de possíveis nuvens [plumas] de água ou vapor que talvez escapem periodicamente de um oceano salgado escondido abaixo da crosta.

Mas, de muitas formas, essa aproximação foi apenas um prelúdio para as próximas missões — especialmente para o Europa Clipper, com lançamento planejado para 2024 e um trajeto que fará uma série de aproximações com a lua congelada em busca de sinais de habitabilidade — e talvez até de formas de vida.

O encontro entre Juno e Europa ocorreu a altas velocidades, e não durou muito: a sonda passou pela lua a 23 km/s, rodando rapidamente durante o trajeto de forma que teve de cronometrar suas fotografias perfeitamente para não perder a oportunidade. As imagens resultantes — quatro, ao todo — oferecem um retrato detalhado da superfície caótica e embaraçada da lua, percorrida por fraturas irregulares e repleta de depressões naturais semelhantes a crateras. Ambas as características provavelmente foram produzidas por sua estranha atividade geológica.

Essa aproximação é particularmente emocionante porque não estava planejado que Juno estudasse Europa, e ainda menos que se aproximasse tanto da lua — a sonda foi projetada para alcançar o próprio planeta Júpiter, e não seus satélites. 

Juno foi lançada em 2011 e, depois de chegar ao planeta em 2016, esteve girando ao redor de sua vizinhança espacial, coletando dados das nuvens, clima, propriedades atmosféricas e composição geral do Júpiter — com o principal objetivo de esclarecer como se deu a sua formação. 

Depois de diversos anos direcionando o foco da sonda para investigações quase exclusivamente do planeta, funcionários da Nasa decidiram aumentar o tempo de vida de Juno e expandir a missão para incluir algumas das luas do planeta. “Ano passado nos aproximamos de Ganymede”, afirma Scott Bolton, investigador principal da missão Juno. Neste setembro, “[voamos] perto de Europa. No próximo ano, vamos passar por Io”.

Júpiter tem um total de 80 satélites naturais conhecidos, mas o vasto oceano de Europa — provavelmente maior, em volume, do que o terrestre — faz da lua um dos alvos de pesquisa mais fascinantes em todo Sistema Solar. Essa fascinação, afirma Bolton, vem de uma perspectiva “um pouco egocêntrica”.

“O oceano é importante por aqui”, afirma ele. “Então, se encontrarmos outros, talvez eles também sejam importantes para a vida em suas respectivas situações.” Claro, é possível que a vida possa surgir na ausência de um oceano — ou até mesmo sem um único pingo d’água. Mas, se encontrarmos um oceano potencialmente líquido a apenas alguns planetas de distância, certamente parece um bom lugar para começar as buscas, sugere Bolton. 

“Europa é um dos mundos mais promissores na nossa busca por habitabilidade e vida”, afirma Lucas Paganini, cientista de programa da missão Juno. “Então, essas missões e o estudo detalhado de seus resultados são cruciais para termos as informações necessárias para confirmar sua habilidade.”

Europa.

Uma das quatro imagens não processadas da superfície de Europa, produzida pela sonda Juno. A lua está pálida em toda a sua extensão porque o balanço de cores da câmera está otimizado para observar Júpiter. Crédito: Nasa/SwRI/MSSS

Ainda assim, apesar do entusiasmo ao redor de Europa, temos apenas algumas poucas aproximações da lua congelada. Leva-se anos para chegar nas profundezas gélidas e escuras do Sistema Solar Exterior, e estudá-las é um desafio para qualquer sonda espacial. Mas aquelas que se aventuram nos arredores de Europa devem também lidar com a forte radiação que circunda a lua, produzida por partículas carregadas presas no forte campo gravitacional de Júpiter. 

Além de Juno, que ficou a uma distância de 352 km da superfície, a única outra sonda a se aproximar foi Galileo, da Nasa — e isso foi há mais de duas décadas. Galileo chegou a 351 km da superfície em 2000 e, antes disso, quebrou recordes de aproximação ao chegar a 200 km, em 1997.

Como as aproximações foram tão distantes no tempo, os dados disponíveis sobre Europa são escassos. Astrônomos podem e rotineiramente observam a lua a partir da Terra, mas chegar perto do satélite tem suas vantagens.

Por exemplo, foram as aproximações de Galileo que forneceram as melhores evidências de que Europa tinha um oceano global líquido. A sonda descobriu que a lua distorce o campo magnético de Júpiter de uma maneira que poderia ser explicada pela presença de fluidos condutivos se escondendo abaixo da superfície. “O material mais propenso a criar essa assinatura magnética”, afirma Paganini, “é um oceano global de água salgada.”

A aproximação de Juno poderia levar a descobertas igualmente impactantes? Por enquanto, é muito cedo para dizer; os dados ainda estão sendo analisados. Juno possui nove instrumentos de pesquisa diferentes, e conforme a sonda passou por Europa, eles coletaram dados do campo magnético da lua, seu campo gravitacional e sua “atmosfera” quase inexistente, constituída de gás rarefeito.

Juno também está equipada com um instrumento chamado “radiômetro de microondas”. “Literalmente o inventamos para Juno”, afirma Bolton. “Ele é projetado para ser capaz de ‘ver’ por baixo da camada superior de nuvens de Júpiter e estudar atmosfera adentro. Mas, quando o apontamos para um corpo congelado, ele analisa o gelo em diferentes profundidades.”

A menos que o gelo seja extremamente “puro e limpo”, afirma Bolton, essa ferramenta provavelmente não poderá penetrar fundo o suficiente para revelar o oceano global, mas ela deve ser capaz de detectar bolsas de água líquida mais perto da superfície. Além disso, informações sobre a estrutura da crosta de gelo de Europa também podem ser úteis. Analisar os dados da sonda pode levar semanas ou meses, sugere Bolton, e produzirá parâmetros mais precisos para o ambiente radioativo da lua e para sua trajetória orbital.

Quando chegarem os resultados, a aproximação de Juno deve ajudar cientistas nas preparações para futuras missões focadas nas próprias luas congeladas, em vez dos planetas. Uma missão desse tipo será o Explorador de Luas Congeladas de Júpiter, ou JUICE, em inglês, da Agência Espacial Europeia. Quando atingir os arredores do planeta, JUICE irá estudar três luas: Europa, Ganímedes e Calisto. 

Após o JUICE, teremos uma missão ainda mais focada em Europa: o Europa Clipper, da Nasa, com lançamento planejado para 2024 e chegada esperada para 2030 — mais rápido que o JUICE, devido a um poderoso foguete e uma trajetória mais direta. Quando chegar, o Europa Clipper realizará pelo menos 49 aproximações — algumas chegando a 50 km da superfície. 

Naturalmente, muitos membros da equipe do Europa Clipper ficaram animados em ver as primeiras fotografias de perto de Europa nos últimos 22 anos. “Eu peguei as imagens e já comecei a mexer com elas para tentar localizar onde Juno estava em relação à superfície”, afirma Cynthia Phillips, cientista do Europa Clipper. “Eu corri para pegar meu globo de Europa — que, felizmente, eu tinha por perto — e então pude começar a identificar as características da superfície com base nele.”

Phillips ficou particularmente impressionada pelas imagens que incluem uma fronteira entre dia e noite, ou “terminator”, em inglês, pois as sombras acentuadas facilitam a observação de formações geológicas. A lua “tem cumes, depressões e jazidas — todo o tipo de formações por ali”, diz ela. 

Quaisquer mudanças em relação às antigas aproximações de Galileo indicariam a continuidade da atividade tectônica na superfície de Europa, afirma Phillips, o que ajudaria a esclarecer a natureza e evolução da geologia da lua ao longo do tempo. 

Phillips compara a sensação de ver as novas imagens de Europa com a de revisitar um velho amigo. “Ela agora tem um novo corte de cabelo, está alguns anos mais velha. Mas ainda é a mesma pessoa, afinal”, explica ela. 

Europa.

Sombras ao longo do terminator, a fronteira entre noite e dia, ajudam a revelar algumas das características particulares de Europa, como suas fraturas e jazidas, e indicam que a lua é geologicamente ativa. Crédito: Nasa/JPL-Caltech/SwRI/MSSS/AndreaLuck (CC BY 3.0)

As novas imagens não são apenas uma fascinação a equipe do Europa Clipper, no entanto. Elas também oferecem benefícios tangíveis para o planejamento de sua missão. 

O primeiro benefício é um mapa atualizado da lua joviana. “Vamos combinar esses novos dados com os vindos do Galileo e Voyager para produzir um novo mapa global de Europa”, afirma Alfred McEwen, vice-investigador principal do sistema de imageamento do Europa Clipper. “Usaremos esse mapa para mirar as imagens [do Europa Clipper], inicialmente — mas rapidamente vamos obter dados muito melhores da nossa própria missão. Ainda assim, no começo, [as imagens de Juno] farão um boa diferença.”

Dependendo no que for descoberto com essas imagens, os dados de Juno também poderão ajudar a equipe do Europa Clipper a encontrar áreas de interesse para servir de como o foco de suas aproximações. Como um exemplo central, “eu acho que todos estarão procurando por nuvens [plumas] nessas imagens”, afirma Phillips. 

Nuvens de água saindo de Europa, que já tentou-se detectar nos dados de arquivo do Galileo, assim como em diversas observações de telescópio, apontariam para a presença de um atalho para acessar o oceano escondido da lua, que poderia ser utilizado por uma futura sonda. Nuvens desse tipo teoricamente ocorrem ciclicamente, provavelmente como o resultado do aperto gravitacional periódico aplicado por Júpiter, conforme a lua orbita o planeta. 

Se, diante de pequenas chances de sucesso, as imagens de Juno ou seus outros dados revelarem indícios de nuvens em algum lugar de Europa, o Europa Clipper poderia estudar essa área e — se o posicionamento e sincronia permitirem — até mesmo voar através de uma erupção semelhante a um gêiser para coletar amostras da água de Europa. 

Parece muito improvável, afirma Phillips — até lembrarmos da manobra parecida executada com perfeição pela sonda Cassini em Encélado, uma lua saturniana que possui reservatórios subterrâneos de água e erupções de nuvens, como Europa. Uma amostra da água da lua permitiria pesquisadores a procurar por compostos orgânicos — ou até mesmo vida microbiana. 

Bolton aponta que o principal objetivo de Juno foi analisar Júpiter e contribuir para um melhor entendimento da formação planetária. Mas, agora, ao se aproximar de Europa, a sonda poderá ajudar a esclarecer uma outra formação: a formação da vida. “Juntas, essas são algumas das questões mais fundamentais que podemos levantar, tanto filosófica como cosmologicamente”, afirma ele.

Daniel Leonard

Publicado originalmente no site da Scientific American dos EUA em 13/10/2022;
( Scientific American Brasil )